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terça-feira, 30 de setembro de 2003

Conceito hospitalar de "família" 


"Planeáramos jantar cedo, num restaurante da praia, com vista directa para o mar. Mudámos de intenções devido a um mal estar que a Clara começara a sentir. Uma ardência no estômago, uma sensação desconfortável. Abandonámos a praia, ela insatisfeita, eu preocupada. O sol brilhava com a intensidade certa, por detrás de uma nuvem, num fim de tarde aprazível. Mas a sensatez obrigava-nos a regressar a casa, para que a Clara pudesse descansar. Ao entrar para o carro, a primeira tontura, que se repetiu, embora com menos intensidade, no elevador e enquanto tomava um duche.
Pedi-lhe que se sentasse na cama, enquanto lhe enxugava o corpo e secava os cabelos. Antes de a vestir, verifiquei a temperatura. Trinta e oito graus. Obriguei-a a deitar-se. Muito contrariada, acedeu, repetindo de cinco em cinco minuto que estava bem, que não era nada. Tinha frio. Cobri-a com o edredão, mas continuava a tiritar. Trinta minutos depois, trinta e nove graus. Talvez fosse melhor ir ao hospital, pensei.
Pediu-me que ligasse ao Pedro, médico, amigo de longa data. As palavras dele tiveram maior impacto. Conseguiu convencê-la que o melhor era ir ao hospital, porque com base apenas nos sintomas não conseguia arriscar nenhum prognóstico. Vesti-lhe um pólo azul, uns jeans, uns ténis, a camisola vermelha que desenterrei de uma gaveta.
À chegada ao hospital, nova tontura. Ainda teve tempo de dizer que lhe apetecia vomitar. Desmaiou enquanto, desesperada, eu respondia às perguntas da administrativa, na recepção. Dois enfermeiros acorreram de imediato, levaram-na para dentro. Tentei acompanhá-la, mas à pergunta:
- A senhora quem é?
gaguejei:
- Uma amiga, ela veio comigo.
e a honestidade valeu-me isto como resposta:
- Não pode entrar. Só a família. Não se preocupe que ela fica já bem.
Barrada a minha entrada, restou-me pedir informações, sempre que tinha oportunidade. Ao fim de três horas, alguém veio dizer-me que a Clara ficaria internada, para observações. Aparentemente, tratava-se de uma intoxicação alimentar. O desmaio devera-se a uma descida de tensão arterial.
Três horas depois. Três horas que me pareceram uma eternidade, um sufoco. Telefonei pelo menos quatro vezes ao Pedro que, sempre gentil, procurava tranquilizar-me.
- Posso vê-la?, perguntei.
- É da família?
- Não, sou uma amiga.
- Pois… só a família é que pode entrar. Ela está em observações. A senhora avisa-os ou avisamos nós?
Fiquei transtornada, mas ainda consegui dizer numa voz sumida que eu os avisava. Depois do telefonema, abandonei o hospital, sem ver a Clara, sem saber se precisava de alguma coisa, sem ouvir a sua voz, sem ver os seus olhos, sem lhe tocar, senti-la perto, ao menos, para que se sentisse – me sentisse – menos só. Não sei o que pensei enquanto regressava a casa, mas lembro-me de ter esmurrado várias vezes o volante do carro, numa sensação de impotência que me enchia os olhos de lágrimas e a cabeça de pensamentos de revolta. A verdade é esta e só esta: aparentemente, não pude ver a Clara porque não sou da família dela. Mas, não sei porquê, tenho a certeza que se, em vez de um casal de lésbicas, estivesse em causa um casal de heterossexuais, os enfermeiros teriam permitido que a visse.
Nos hospitais só existe um conceito de família, e esse conceito não comporta desvios. Familiares são apenas os pais, as mães, os avós, os irmãos, os tios… E os namorados, desde que heterossexuais. O conceito hospitalar de família é cego aos afectos, porque vive exclusivamente de uma partilha de apelidos, despido de sentimentos, de proximidades. Os pacientes não podem ter ao pé de si quem mais desejam, mas apenas quem os fazedores de regras impõem, baseados nos critérios que bem entendem, sejam eles tão ridículos e absurdos como o facto de pertencer à mesma família. Por muitas voltas que dê à cabeça, não consigo perceber porquê. Talvez porque só queira esquecer a aflição, o desespero, a raiva, o desalento e a preocupação que vivi naquelas horas, mas que não me deixam sempre que as revivo, ainda que só na minha cabeça. Será que os tais fazedores de leis já pararam para pensar nisto? E você?"

Esta história é ficção neste post, mas é real todos os dias na vida de milhares de pessoas.

Forty Licks are not enough! 


Possivelmente, alguns dos olhos que espreitam este blog esperavam que eu descrevesse o concerto dos Rolling Stones tal como descrevi a Pride do Norte. Bem... eu confesso que tentei. Dei voltas e voltas a cabeça, em busca de palavras, que formassem frases com sentido e que resultassem num post legí­vel. Mas não consegui [Perdoa-me, Teca!]. Passado todo este tempo rendo-me às evidências: é ab-so-lu-ta-men-te impossí­vel descrever um concerto dos Rolling Stones! À falta de melhor, vou parafrasear os velhotes e dirigir-lhes uma mesagem (nunca se sabe se eles lêem este blog, não é?!): Don't stop! Start me up! I can't get no satisfaction!
Forty Licks? Quais Forty Licks! Venham mais Forty!

sábado, 27 de setembro de 2003

Just another magic saturday! 


Sabem bem estes sábados à tarde... vazios de afazeres. Só eu, a Mente Assumida e a sensação de que o tempo é todo nosso. É isto a vida!... Só isto... Isto e as boas surpresas: como dois bilhetes completamente grátis para ir ver os Rolling Stones!... Sabem bem estes dias assim... perfeitos!

terça-feira, 23 de setembro de 2003

A propósito do "Ano Europeu das Pessoas com Deficiência" 


Um passeio, uma escadaria, uma caixa multibanco - três obstáculos terríveis para um invisual. Um debate, uma conferência, um concerto - três palavras com pouco significado para um surdo. Um pedido de informação, uma prova oral, um cântico - três impossibilidades para um mudo.

2003 foi o ano escolhido pela União Europeia para a sensibilização dos povos em relação à problemática dos portadores de deficiência e, por isso, denominado "Ano Europeu das Pessoas com Deficiência".

Aqui e além, os mais atentos - porque é realmente preciso estar muito atento - assistem a algumas iniciativas que procuram promover a igualdade entre os portadores de deficiência e os não portadores. Aqui e além... ainda que muitíssimo diluídas e passando despercebidas para a importância que o tema tem.
Certamente, ninguém ignora que muitos dos portadores de deficiência são também homossexuais. No entanto, nesta, como em tantas outras áreas, é preferível ignorar esse dado, porque, já de si, a abordagem do problema apresenta dificuldades.
Jogos de futebol, concertos, acções de beneficiência, sessões de esclarecimento, debates públicos, conferências, tudo isto são exemplos de actos que pretendem chamar a atenção dos cidadãos para um problema que é de todos e que a todos diz respeito. E quanto aos cidadão deficientes e homossexuais, o que tem sido feito?

Não pretendo, com isto, dizer que os deficientes homossexuais devem ser alvo de qualquer tipo de tratamento especial, para além do que é imposto pela sua deficiência. Não venho aqui reclamar para os deficientes gays acções específicas em função da sua sexualidade - a intenção deste post é bem outra: é a de consciencializar, a de alertar para que, além dos obstáculos que se deparam aos deficientes, quase sempre a eles se junta o isolamento, a não integração, a discriminação, em virtude da sua homossexualidade. Parece que me contradigo? Não o faço - não devem os deficientes homossexuais ser alvo de acções específicas em função da sua sexualidade, mas sim na medida em que a sua deficiência represente um entrave à sua livre sexualidade, à sua realização sexual pessoal.
Bastas vezes, a homossexualidade tem sido objecto de discussão na sociedade - ainda que, a meu ver, nem sempre com os objectivos mais nobres (decerto, ninguém ignora o facto de os canais de televisão terem mais em conta a possibilidade de um aumento de audiência do que encontrar verdadeiras soluções para os problemas que os homossexuais enfrentam diariamente). De facto, a abordagem que é feita da questão nem sempre é a que melhor serve os interesses dos homossexuais, mas sim daqueles que promovem tal abordagem, confundindo-se a visibilidade com o exibicionismo, o debate com o esgrimir de acusações, a divulgação com a crítica. Os exemplos abundam nas rádios, na televisão, nas revistas, nos jornais e também, há que afirmá-lo, na blogosfera.
O chavão "falem mal, mas falem de mim" não se aplica a tudo, muito menos em questões de sexualidade, mas há quem teimosamente pretenda que se aplique, e por isso não meça palavras quando aborda o assunto.
Não é isso que, julgo, os homossexuais pretendem - pretendemos, sim, que não se ignore a nossa existência, é certo, mas reclamamos uma atenção que vai muito para além disso. E é neste aspecto que a questão entronca com o caso dos homossexuais deficientes. É que, para além dos problemas específicos da deficência, a esses acrescem outros que lhes advêm do facto de serem homossexuais - não ignorar a questão não é bastante, a questão vai muito para além disso!
Muitas são as associações que dão a voz pela comunidade lgbt, mas poucos são aqueles que, no seu seio, dispõem de núcleos específicos para deficientes. Tenho conhecimento de apenas um site sobre este assunto, mas é possível que existam mais – quero crer que sim!
É urgente que, dentro das associações de defesa dos direitos dos homossexuais, se criem condições que possibilitem a participação dos cidadãos deficientes, no seio da comunidade lgbt. É fundamental, acima de tudo, que não se discriminem os deficientes no seio da comunidade lgbt. E afirmo isto porque não pode pedir-se aos outros que não nos discriminem, quando tantas e tantas vezes somos nós próprios que nos discriminamos. Não é novidade para ninguém que os homossexuais se discriminam entre si: os magros discriminam os gordos, os feios discriminam os bonitos, os ricos discriminam os pobres, os brancos discriminam os de diferentes etnias, os jovens discriminam os mais velhos e tudo isto vice-versa. E não surpreenderá ninguém que se diga que os não deficientes discriminam os deficientes - se assim não é, pergunto, onde estão as iniciativas neste ano a eles dedicados?
Não podemos cruzar os braços e esperar que sejam os outros a resolver os nossos problemas - eles nunca o farão. É necessário que a comunidade lgbt debata no seu seio a questão e encontre as suas próprias respostas. É imperioso que surjam acções vindas de dentro, que só depois poderão ser transpostas para fora. Não me espanta nada que a nível n nacional não existam essas acções em prol dos deficientes homossexuais, mas muito me desilude ver que no interior desta comunidade nada se faz, nada se diz, nada se escreve. Só posso concluir que, à margem do que vejo acontecer com quem afirma nada ter a ver com isto, também as lésbicas e os gays estão demasiado concentrados no seu umbigo.
Às vezes paro e tento imaginar como será o dia-a-dia de uma lésbica paraplégica, de um gay mudo, de um bissexual invisual, de um transgender surdo, e chego à conclusão que as suas vidas são, por certo, bem mais difíceis do que a minha, bem mais isoladas, bem mais infelizes, bem mais silenciosas, bem mais insuportáveis.
Restam pouco mais de três meses a este Ano Europeu das Pessoas com Deficiência, mas este é um compromisso que não está condicionado ao tempo, nem ao lugar, mas sim à iniciativa e ao empenhamento.
Desejo que este ano sirva apenas de mote para que se abram os olhos, se limpem os ouvidos, se desimpeçam as gargantas, se movam as pernas e os braços e se inquietem os cérebros de todos os que, não o sendo, se preocupam verdadeiramente com os deficientes, com todos os deficientes.


quinta-feira, 18 de setembro de 2003

Queer blog... este sim assumidamente! 


Nunca tendo sido activista de nada (a Amnistia Internacional foi uma pequena excepção) não deixo de admirar todos aqueles que se atiram de coração à luta por uma causa. Admiro a sua força, a sua dedicação e o seu altruísmo. Os activistas nunca trabalham apenas para servir os seus interesses, mas para uma massa de pessoas (quantas comodamente conformadas, quantas outras incomodamente abafadas!)que não os conhecem, não os ouvem... que não sabem sequer, as mais das vezes, da sua existência, mas que lucram com as suas acções e o seu trabalho.

Se hoje a homossexualidade está na ordem do dia, tal facto não se deve a pessoas que, como eu, se escudam sob o véu do anonimato para dizerem o que bem entendem, mas porque existem pessoas como a Anabela Rocha, que ousam dar o nome, a cara, o coração... todo o corpo ao manifesto para que, no dia em que eu, e tantas outras "mentes não assumidas" que por aí andam, nos decidamos assumir, encontremos um mundo menos inóspito do que pessoas como ela com certeza encontraram!

Aqui fica o meu agradecimento sincero à Anabela Rocha e a todos aqueles que, como ela, dão publicidade e notoriedade à nossa comunidade.

Felicidades para o blog! Venham mais!

terça-feira, 16 de setembro de 2003

Com uma viagem na palma da mão! 


... E o tempo assim passou... Um dia inteiro "com uma viagem na palma da mão"... Há dias assim... Com certeza já vos aconteceu a tod@s... A mim acontece-me imensas vezes: acordo com uma música que começa por me invadir o espírito para, sem que eu sequer me aperceba, me invadir o dia, a vida e a alma!... É assim muitas vezes... e é assim, ainda mais quando para além da música ser boa, a letra parece ter sido feita de encomenda para mim, como se o autor, mergulhando dentro da minha essência, tivesse conseguido dizer aquilo que há anos andava a tentar extrair de mim mesma infrutiferamente... Não consigo deixar de me comover com aqueles que conseguem fazer magia com as palavras!

É assim "Com uma viagem na palma da mão"... E o mais engraçado é que só agora, ao fim de um dia a entoá-la mentalmente, me apercebo do quanto esta música é minha e esta história me pertence: agora, que me apetecia escrever um post sobre o dia em que assumi a minha homossexualidade perante mim própria, descubro que Jorge Palma, esse génio vivo da música internacional (e só admitirei que estou a exagerar no dia em que me mostrarem uma má música dele!) o anteviu antes mesmo de eu nascer (em 1975). As músicas, os poemas (os bons, os verdadeiros) podem ter a interpretação que o leitor quiser. Eu como leitora ouso dizer-vos que se alguém tivesse assistido ao meu "coming out interno" o teria descrito literalmente assim:

Agarras-te à hora
Em que o tempo não passou
Mergulhas nas cores
Que a loucura te emprestou
E quando te vês para lá do espelho
Encontras a solidão...

Descobres o Mundo
De quem tem pouco a perder
E sobes às estrelas
Que ontem não podias ver
E perdes o medo de estar só
No meio da multidão.

Tradições
Atrás de contradições
Fizeram-te abrir os olhos
Podes dizer:
Eu... sou...

... Eu sou completamente fã deste homem!

É ou não é uma música/letra de arrepiar?


domingo, 14 de setembro de 2003

O abraço! 


... E finalmente abraçaram-se!

Aquele abraço era do tamanho da saudade alimentada durante os longos dias de distância a que as suas vidas duplas obrigavam. Iam nele palavras que jamais poderiam pronunciar, simplesmente porque verbalizar tudo aquilo que sentiam naquele momento seria espartilhar emoções só por elas entendidas... Por elas tão bem entendidas!... Um abraço que era o encontro dos corpos de uma alma una!

As suas vidas, as verdadeiras, ou melhor, aquelas que a maioria das pessoas tinha como suas, ficaram para trás desse abraço. O mundo parou ali e, por momentos, tudo o que existia eram só elas e aquela sensação inexplicável de felicidade.

Durante aqueles breves instantes falaram como só os verdadeiros amantes podem falar: por meias palavras e entre muitos sorrisos de cumplicidade; trocaram ideias, falaram de si, das suas vidas, dos seus medos, das suas esperanças, do seu futuro... e discutiram o mundo em geral... Como sempre não estavam de acordo... mas, como sempre também, continuavam a admirar-se... também intelectualmente... Gostavam de desafiar-se mutuamente e, apesar de terem sempre perspectivas diferentes não deixavam de se interessar pelo que diziam, nem que fosse para refutá-lo logo de seguida... e cada novo argumento esgrimido fazia aumentar o respeito, o carinho e o amor que alimentavam uma pela outra.

Discutiam como ninguém... E nas próprias discussões (meramente políticas, culturais ou filosóficas!) se fazia sentir a harmonia que emanava daquela relação... Quem as conhecia... as poucas pessoas que as conheciam enquanto casal, sabiam que elas só podiam mesmo ter nascido uma para a outra... Era impossível haver mais sintonia entre duas pessoas... era impossível mais Amor!

Mas os instantes acabavam depressa... Sempre depressa demais... Mal tinham matado as saudades que haviam acumulado, a partida anunciava-se de novo... De novo um abraço... Este ainda mais apertado como se, através dele, pudessem fundir também os seus corpos num só... De novo as palavras por dizer, adivinhadas no brilho de um olhar que não sabiam quando voltaria a cruzar-se...

Abriu a porta. Um derradeiro aceno, agora já em tom de amizade, que a vida, a verdadeira, não contempla outros afectos!

Regressa a casa... a sua... supostamente. Abre a porta, como sempre. Cumprimenta a sua família de sempre, com o sorriso de sempre; como se a vida tivesse sido sempre só aquilo, aquele regressar a casa, aquele cumprimentar apático e sem emoção...
Não se revê naquelas paredes, nem naquela família, não se revê sequer naquela vida... E no entanto, é a ela que tem que viver, pelo menos enquanto os salários não aumentam e os preconceitos não diminuem....

Por vezes, no fim destes "dias-oásis" em que prova o sabor da felicidade, tenta procurar uma explicação para esta necessidade de uma vida dupla, tem ganas de gritar ao mundo o que a une ao seu amor e explicar que é com ela, só pode ser com ela, que deseja viver cada instante da sua vida...
Mas logo a sensatez lhe faz recordar que o tempo ainda não é o propício para assumidamente ser quem realmente é... E compreende que terá que continuar a encarnar o personagem que criou para se dar pelo seu nome na vida dita "real"...
A sua vida prosseguirá dentro de momentos... daqui a um número incerto de dias quando puder celebrar de novo o seu amor dentro das quatro paredes em que o mundo é tolerante!


... Como é bem mais fácil falar de sentimentos na terceira pessoa!...


terça-feira, 9 de setembro de 2003

Assumidamente ex tempore 


Hoje os dedos não correm... falham-me as palavras! Esta chuva que não parou de cair o dia inteiro toca-me dentro, na alma. É incrível o poder que a chuva exerce nas nossas vidas: o trânsito aumenta, o Sol esconde-se e com ele as pequenas maravilhas que nos habituámos a apreciar nos longos dias de Verão, os corpos tapam-se e os sorrisos fecham-se... Pelo menos o meu!
Detesto chuva! Principalmente esta chuva que vem sem se fazer anunciar só para implicar com os bronzeados felizes e para nos estragar a vida, os planos, os sonhos e projectos... Completamente fora de tempo...
Ou será que a chuva até está cá no tempo certo e eu é que estou aqui completamente "ex tempore"?
Confesso, é assim que me sinto hoje: "an alien", não em Nova Iorque mas no sistema solar em geral... Que ventos são estes que se levantam assim vindos do nada só para contrariar? Que tempestades são estas em direcção à diferença? Quem está bem no meio deste mar de anarquia? De quem é este tempo, que não é meu?

Não sei de quem é o tempo! Sei que gostava que "chovesse" menos na cabeça das pessoas... Talvez se tal acontecesse não tivesse que estar aqui sozinha a ouvir a chuva a cair e a ansiar pela chegada do "meu tempo": o tempo em que a chuva pare e nós possamos livremente gozar todas as estações do ano com quem efectivamente queremos!


segunda-feira, 8 de setembro de 2003

"Mulheres Apaixonadas" - Assumidamente expectante! 


Já aqui o disse: nunca compreendi os fenómenos de massas! É o futebol... são as romarias estivais até ao Algarve... e são as telenovelas!
Nunca percebi o fenómeno "telenovela". É uma incompreensão que me vem da infância, de quando a minha avó passava tardes inteiras (todavia com o indispensável intervalo para o lanche bem abastado aos seus netinhos, que a minha avozita nunca deixou os nossos estômagos em mãos alheias!) em frente ao ecrã, fiel à sua maratona interminável de novelas. A capacidade que aquela mulher tinha (e ainda tem, graças a Deus!) de se comover com cada um dos personagens, de se entusiasmar com os enredos, ao ponto de fazer com que as novelas saíssem do televisor para se tornarem conversa de jantar, como se o Sinhôzinho Malta ou a Tieta fossem da família e tivéssemos que zelar pelo seu bem-estar... Até que a novela acabava e novos "familiares" vinham substituir os já antigos, de quem nunca mais se ouvia falar.

Perguntava-me, nessa altura, se não seria mais interessante se cada um de nós falasse sobre a nossa vida em vez de discutirmos tão calorosamente a vida daqueles personagens fictícios... Mas, há medida que o tempo foi passando compreendi que o Sinhôzinho Malta, a Tieta e toda a sua escol, não eram só da minha família, mas de uma quantidade inumerável de famílias, que comungavam entre si o facto de interromperem as suas vidas às 21h em ponto, logo a seguir ao telejornal, para conhecer mais um desenvolvimento na vida daqueles que lhes eram tão queridos, para verem os galãs apaixonarem-se e o vilãos serem espezinhados... e, obviamente, para estar por dentro das conversas na manhã seguinte por todo o lado!

Cresci assim, também em relação às telenovelas, com aquela (desagradável) sensação de que fazia parte de uma estranha minoria que estava mais preocupada com a vida real, com os amigos de verdade, aqueles de carne e osso cujo ombro não é quadrado, e a face não é de vidro, do que com os não-sei-quantos da novela das 21, das 19, das 15, das... perdoem-me se acaso me falha alguma!

Foi por isso que quando, ao fim de um dia estafante, ontem à noite consegui uns minutos para me estender no sofá em frente à televisão, o fiz mais confiante no sofá do que na televisão, sem qualquer esperanças de ser surpreendida pela tal "caixinha". Eis senão quando a "caixa" se revelou ser de surpresas: no ecrã um casal de lésbicas comentava o facto de um rapaz assediar continuamente uma delas, numa tentativa sempre frustrada de a "converter"; a cena terminou num voto de confiança mútuo e num abraço, mais do que apaixonado, romântico... e desceu o pano, que é como quem diz, foi intervalo.
Gostei do que vi e fiquei para ver mais. Na segunda parte de "Mulheres Apaixonadas", Clara [Aline Moraes] já não estava com Rafaela [Paula Picarelli] (do que não vale ter ao lado uma irmã que herdou os gostos telenovelísticas da avó para ficar bem informada!), mas em casa, com uma mãe (não tão boa actriz como as outras duas, mas isso não é o que está aqui em causa!) incapaz de admitir o lesbianismo da filha e decidida a fazer tudo para impedi-lo ou, pelo menos, negando-o perante os outros, chegando mesmo a dizer às amigas que a filha namora com um rapaz... Obviamente a cena deu em discussão e em bater de portas.

É claro que já tinha ouvido falar de "Mulheres Apaixonadas" (é verdade que normalmente não gosto de novelas, mas não vivo fora do mundo e gosto de saber o que se passa à minha volta!), sabia que entre várias questões da actualidade, como a violência doméstica, o ciúme ou o adultério, abordava também a questão da homossexualidade, cheguei até a assistir aos primeiros episódios a ver que rumo tomava tal abordagem, mas os afazeres do dia-a-dia e uma sensação de que o tal casal aparecia muito pouco frequentemente, acabaram por me afastar da novela... Até ontem!

Fiquei agradavelmente surpreendida com aquilo a que assisti: penso que foi a primeira vez que vi, em horário nobre, o homossexualismo ser retratado tão bem, de forma tão natural, tão correcta e tão próxima da realidade... Pelo menos, eu revi-me naquelas palavras e naquelas angústias!... E melhor que isso, tudo isto inserido num programa que concorre nas grelhas de audiência com os primeiros lugares! Não crêem, minhas amigas, que isto vale mais que mil "Prides"?

Sei que se tem discutido no Brasil se as personagens devem ou não beijar-se, considerando a maioria da opinião pública que tal não deve acontecer, a mesma maioria que até aceitaria que o casal acabasse junto!!! Mas o mais importante não é saber se elas se beijam ou não, o importante é que neste momento milhões de portugueses (a minha avozinha incluída) têm como companhia diária um casal de lésbicas igual a tantas outras, com os problemas e angústias de todas nós... E eu já estou à espera que elas nos apareçam para jantar um dia destes!... Quem sabe se tal acontecer, terminada que seja a novela, possamos, eu e a Mente Assumida, assumidamente assumir o papel da Clara e da Rafaela e tomar os lugares que a família lhes tinha reservado!

Entretanto, vão passando a palavra a amigos e conhecidos: vejam "Mulheres Apaixonadas", afinal sempre é uma boa alternativa à pornografia gratuita que a TVI nos oferece em várias doses diárias desde o princípio de mês! Eu fiquei assumidamente espectadora e estou assumidamente expectante para saber o desenrolar dos próximos episódios!

quinta-feira, 4 de setembro de 2003

Poder de síntese... 

Bolas... acho que tenho de melhorar o meu poder de síntese...

Tenho uma dúvida... 


O Acho Eu perguntou:
"Orgulho Gay? Mas a orientação sexual lá é caso para se ter orgulho?"

E a Assumida Mente questionava:
"Consegui-lo-emos envergando num dia de fins de Junho uma bandeira colorida? Ou organizando "festas temáticas" onde os curiosos são mais do que os visados? Contribuirão tais desfiles ou organizações para a promoção da nossa imagem junto da opinião pública? Se sim, expliquem-me em quê, que eu não consigo ver como."

Será que consegui responder-lhes?
Se sim, dou o tempo e o trabalho por bem empregues.

Orgulho Gay 


Quando demos início a este blog, nem a Assumida Mente nem eu estabelecemos qualquer tipo de regras no que concerne ao teor dos posts que aqui vêm parar. Mas uma coisa ficou acordada implicitamente, debaixo de um olhar, porque dispensamos as palavras para nos entendermos: a temática não passaria por comentar nem responder a posts de outros blogs, porque este blog não tem a intenção de alimentar polémicas nem discussões seja com quem for. Não me perguntem porque vamos por aqui, ou terei de responder que é porque queremos seguir um caminho diferente de cerca de 80% dos actuais blogs portugueses...
Partilha, reflexão, prazer - três objectivos do Assumidamente.

No entanto, considero que hoje devo abrir uma excepção. Tentarei resistir à tentação de comentar um post alheio - para isso existem os sistemas de comentários e os e-mails - mas "Conservadorismo e sexualidade", do Acho eu, servirá de mote para o que a seguir se escreve.

Afirma o A. no citado post:
"Nunca percebi - melhor dizendo, nunca aceitei - que fosse suposto haver uma contradição dramática entre o conservadorismo e a homossexualidade."

De facto, compreendo que não se aceite que haja contradição entre conservadorismo e homossexualidade. E não deve aceitar-se tal "dramática" contradição, simplesmente, porque ela não existe. O conservadorismo e a homossexualidade não estão em pólos opostos. Cito um exemplo.

- Sou lésbica, como já afirmei aqui anteriormente.
- Além disso, sou católica praticante e exerço funções com algum destaque na minha comunidade paroquial, onde lido com pessoas de todas as idades (e sim, o meu pároco/confessor sabe que sou homossexual e não me afastou por causa disso).
- Politicamente, sou de direita - daquelas que usam pólos da Jota e agitam bandeirinhas nos comícios, mas também daquelas que batem o pé quando discordam e batem com a porta quando se desiludem. Em casa dos meus avós há um busto do Doutor António Oliveira Salazar. Cresci a ouvir críticas ao seu regime, mas também elogios - pessoalmente, discordo de muitas medidas tomadas no período pós-25 de Abril. Uma ressalva: não sou (e ninguém da minha família é) salazarista - sou sá-carneirista convicta.
- Estudei na universidade mais antiga do país, onde tudo é tradição, tudo é manutenção de um passado pesado, quase esmagador (e talvez amorfo...).
- Ideologicamente, não sou a favor da adopção pura e simples, sem fundamentação de factos, por casais de homossexuais, tal como sou contra a adopção por heterossexuais nas mesmas condições.
- Não reivindico a legalização do casamento para os homossexuais, porque acredito que tal instituto foi criado à luz das uniões heterossexuais, sendo informado pelos seus valores. Sou a favor da criação de uma figura jurídica própria, original, concebida desde a sua raiz dando atenção às características das relações homossexuais. Penso que essa figura daria mais credibilidade às relações de lésbicas e gays, actualmente e em média mais duradouras que as dos heterossexuais (mas isto será objecto de um outro post).
- Quanto ao aborto, moralmente sou contra, mas juridicamente sou a favor. Mais um dilema para resolver...

À primeira vista, diriam que dificilmente poderia ser mais conservadora. Sei que diriam isto porque já muitos mo disseram. Mas simultaneamente, sou homossexual. Ora, pelas leis da lógica, isto vem provar que não é (no meu caso como em tantos, tantos outros!) "dramaticamente" contraditório ser-se homossexual e conservador. Digo com o Acho Eu: "Ser conservador tem que ver com uma predisposição social, política, intelectual... Não tem que ver com a vida intíma".

Abomino rótulos. Abomino tudo aquilo que seja redutor, e os rótulos são do mais redutor que a cabecinha humana inventou. Quando muito, admito que me ponham muitos rótulos - são uma praga que em maior número é mais fácil de exterminar. Já aqui o disse também, cada um é muito mais do que aquilo que faz, é muito mais do que o somatório de determinadas características. As cores (leia-se "características") não se misturam todas da mesma maneira. Concluindo, afino pelo diapasão do Acho Eu: "Haverá alguma contradição entre ser conservador e ler com prazer Frank Ronan? Não, nenhuma." E Walt Whitmann, Virgínia Wolf, Oscar Wilde, Charlotte Brontë, Edmund White, Patricia Highsmith, David Leavitt, Selma Lagerlöf, Mário de Sá-Carneiro, Marguerite Yourcenar, só para citar alguns.

Continua o A. do blog:
"Bem sei que os discursos sobre os direitos dos homossexuais são típicos da esquerda - sobretudo de certa esquerda. E que à direita se encontram - nos blogs já encontrei - ataques furiosos à homossexualidade."

É frequente, de facto, conotar as lésbicas, os gays, os bissexuais e os transgenders enquanto indivíduos e muito mais as suas (nossas) associações com partidos políticos de esquerda. Mas saiba quem ler este post que isso desagrada a muit@ gente. Quem estabelece essas conotações procura, exclusivamente, desvalorizar o trabalho de quem se empenha em modificar a mentalidade e a realidade portuguesas em relação à sexualidade (leram bem - sexualidade e não homossexualidade, porque o caminho que o nosso país tem a percorrer é imenso e não segue numa única direcção...).
Desenganem-se: as questões sociais não são necessariamente políticas! A política não é o único meio de alcançar progresso, pelo contrário: a meu ver é, em boa medida, um mundo de areias movediças em que, mais do que o "social", se salvaguarda o "pessoal" - e, estou certa, as associações lgbt desejam afastar-se disso!
"Os discursos sobre os direitos dos homossexuais são típicos de esquerda" (in Acho Eu)? Pois são, de facto, não posso discordar. Mas lamento que assim seja, porque a sexualidade das pessoas não é uma questão política, nem religiosa, nem económica. Os direitos das pessoas são algo de inerente à sua condição humana, seja ela de direita ou de esquerda, gay ou straight. Enquanto o entendimento da maioria dos cidadãos do mundo for mesquinho ao ponto de não "ver" isto, ao menos façam-me um favor: não aponham etiquetas políticas naquilo que não é política, mas sim realidade factual!

(Desabafo:
E já agora, quantos serão os arautos de direita (alguns deles bloguistas, como todos sabemos) que se escondem por detrás dos vidros escuros dos carros que passeiam pelas noites do Parque Eduardo VII? Não sei e nem sequer estou preocupada em saber - não é isso que me move. "Ataques furiosos à homossexualidade" (in Acho Eu) é uma expressão acertada e com a qual concordo, mas prefiro ser coerente comigo mesma e dizer "quantas vezes, tiros no próprio pé" - direito ou esquerdo, é irrelevante...


Ainda do Acho Eu:
"Também sei, e obviamente que não sou o único a sabê-lo, que à esquerda é frequente optar-se pelo silêncio público sobre o tema quando o que se pensa é pouco aceite pelo grupo."
É caso para criar um novo brocardo: "De desonestidade intelectual e cobardias políticas está a Assembleia da República a abarrotar"...

Poderia continuar a citar extractos do Acho Eu com os quais concordo plenamente, mas porque este post já vai longo, dedico atenção ao aspecto que, penso, urge esclarecer.

Leio nesse blog:
"Orgulho Gay? Mas a orientação sexual lá é caso para se ter orgulho?"
Este tipo de afirmação é muito típica de todos aqueles que desconhecem o que vem a ser o tal "Orgulho Gay". Não posso deixar de louvar o facto de o A. ter escrito "orientação sexual" e não as malditas expressões "inclinação", "tendência", "escolha", "opção" - é que já não há pachorra para este tipo de estupidez! Bem haja, mas ainda assim tenho de criticar a ignorância inerente à afirmação.
Segundo a máxima portuguesa "se não sei a definição, invento uma eu próprio, não posso é perguntar para não passar por parvo", surgem ideias infundadas e despropositadas, como esta, de que o "Orgulho Gay" é orgulho na própria orientação sexual. Tal não corresponde à verdade. O "Orgulho Gay" não se traduz no orgulho que alguém sente em ser homossexual. Da mesma forma que os heterossexuais não têm orgulho em serem como são, nós também não temos orgulho em sermos como somos - somos e ponto final. O verdadeiro "Orgulho Gay", aquele pelo qual me debato também, é o orgulho que sentimos em gritar que "estamos aqui, existimos e reclamamos os nossos direitos". "Orgulho Gay" é sinónimo de exigência - exigência do nosso espaço, da nossa autonomia, da nossa liberdade, dos nossos direitos, do respeito que todo e qualquer ser humano merece e que tantas vezes nos é negado. A expressão "Orgulho Gay" pode até ser ambígua, mas a interpretação imediata não é a mais correcta. O "Orgulho Gay" não é mais do que a verbalização da resistência dos homossexuais, que se recusam a olhar para si próprios como "aberrações", seres "anti-natura" (seja lá isso o que for), "invertidos", "fufas", "paneleiros", "pecadores" e outros despautérios com os quais somos constantemente agredidos. O "Orgulho Gay" não tem nada a ver com orgulho na orientação sexual, mas sim com orgulho em não sucumbir nesta sociedade pobre de espírito no que toca a questões de sexualidade.

Pode parecer que estou a enveredar por um caminho oposto ao do post abaixo, da autoria da Assumidamente, mas isso será assim apenas à primeira vista. Penso que tudo o que venho escrevendo converge para estas palavras que colho desse mesmo post: "A mudança de que tod@s precisamos é uma mudança de mentalidades que (não - acrescento eu) só o tempo e a acção diária de cada uma de nós, nos nossos locais de trabalho, nas nossas famílias ou nos nossos grupos de amigos poderão conseguir. Precisamos, acima de tudo, de provar a este mundo, ainda tão inóspito, que ser-se "gay" ou "lésbica" não significa ser-se "bicha" ou "fufa", "panão" ou "camionista" (estas duas então são do pior!); significa simplesmente que o complemento que procede palavras como "desejo-te" ou "amo-te" tem um género diferente daquele que foi estipulado como normal pela sociedade (ei-la de novo!) e que isso não diminui um milímetro a nossa dignidade, probidade e rectidão enquanto seres humanos! Precisamos, acima de tudo, de provar e demonstrar que nenhuma relação existe entre o género da pessoa que amamos e o grau de respeitabilidade a que temos direito."
Ambas estamos de acordo, portanto, na necessidade de uma profunda mudança na sociedade. A única divergência que temos (neste aspecto é a única, porque noutros, elas são em número infinito - e ainda bem) é no "meio", não no "fim". Não rejeito liminarmente as greves e as manifestações como meios para atingir fins, embora prefira o diálogo e o esforço empenhado (deve ser uma das minhas características conservadoras). Não rejeito, é certo, mas penso que são insuficientes. Mas há também que ver que as "Prides" e as "Parades" são apenas duas das muitas actividades levadas a cabo por quem nelas participa, ou seja, maioritariamente, elementos de associações homossexuais. Promovem-se palestras, congressos, acções de esclarecimento, debates, exposições e pelo menos um programa de rádio (o Vidas Alternativas) que procura mais visibilidade para a comunidade lgbt. E não vem a ser este blog o contributo - que pode ser diminuto, mas é o possível - das suas AA. para essa mesma visibilidade?
O caminho é árduo, mas também eu acalento, tal como a Assumidamente, o desejo de, um dia consigamos "provar que, apesar de toda a discriminação que há séculos vimos sofrendo, finalmente conseguimos demonstrar que não queremos chocar nem provocar ninguém, apenas queremos poder viver a nossa vida com a dignidade e o respeito a que a nossa condição de seres humanos nos dá direito..."
Enquanto esse dia não chega - porque os cegos continuam a não querer ver - admito que gosto de ir a "Prides", que gosto de assistir a "Parades" (talvez um dia participe, quem sabe?), porque isso demonstra que as lésbicas e os gays portugueses estão activos, energéticos, barulhentos, divertidos, carismáticos, inteligentes, artísticos, VIVOS!
Não o disse no post sobre a Pride do Norte, mas vou dizê-lo agora, porque a verdade é como a boa educação - cabe em qualquer parte: senti um imenso orgulho ao ver a Alexia, linda, maravilhosa, glamourosa, estonteante, no alto dos seus compensados, a cativar o público presente - maioritariamente hetero, o que ainda lhe dá mais valor. Pessoas assim, tal como todos os que dão a cara, o corpo, a alma e as palavras - como a Assumidamente -, fazem-me sentir orgulho em pertencer a esta minoria, a este mundo tão especial e tão belo. Obrigado a tod@s os orgulhosos!


quarta-feira, 3 de setembro de 2003

Um post assumidamente polémico! 


Não sei se por deficiência de carácter ou se por qualquer patologia até hoje nunca despistada, a verdade é que sempre optei por me demarcar de todo o tipo de manifestações que envolvessem saídas à rua, cartazes ou gritos de guerra.

Foi assim desde os tempos de liceu, quando observava de fora as memoráveis (por favor digam-me que se recordam para que eu não me sinta jurássica!) lutas contra as PGA's ou contra as Provas Globais. Na altura faziam-se cartazes onde, em letras garrafais podíamos observar rimas livres com o nome pouco feliz do então Ministro Couto dos Santos, rapidamente substituído pela não menos "sugestiva" (salvo seja!) Manuela Ferreira Leite!
Foi assim também mais tarde, quando os livros de liceu foram substituídos pelas sebentas da Faculdade e aos gritos esporádicos contra os exames se sobrepuseram os gritos mais prolongados da luta contra as propinas. Aí, na Academia mais antiga do país, apercebi-me como falhava em mim o elo que me ligaria ao sentido de qualquer tipo de greve ou manifestação. Não fui nos autocarros para Lisboa gritar aos ouvidos de um Ministro que não ouvia, não encerrei a cadeado portas que só a nós, alunos, nos interessava que abrissem, não me inflamei com o fogo das frases de ordem que rasgavam aquelas noites de Assembleias Magnas... Não o fiz e (mea culpa, talvez!), ainda que apelando a toda a tolerância que acredito dever existir perante todos os comportamentos humanos, também não compreendia quem o fazia!

Foi assim desde sempre... E é também assim hoje quando a palavra "Pride" me traz à imagem um grupo de LGBT's desfilando pelas ruas com bandeiras de várias cores, rumo a um destino que tod@s bem sabemos qual é, mas a que nunca chegaremos se nos limitarmos a gritar palavras de ordem para os ouvidos amorfos da "sociedade"!... É, ainda, assim quando em nome desse tal "Orgulho" se organizam festas em que a única diferença face às greves universitárias é que, como ferrolhos, em vez de serem utilizados os cadeados de então são utilizadas as portas do bar eleito para o evento - quase sempre o mesmo!... Não caminho!... Não participo!...

No entanto, não o faço por desleixo, por falta de sentido de "cidadania" (digamos assim) ou por comodismo. Faço-o por convicção... ou melhor, por um conjunto de convicções que, ainda que reconheça serem polémicas, são as minhas e são aquelas em que assumidamente (já cá faltava, não era?) acredito:

1. Faço-o, primeiro e acima de tudo, porque não acredito que os desfiles pelas ruas das cidades, os cartazes com o fundo em arco-íris ou os slogans que, por um dia, invadem as ruas possam mudar alguma coisa!
A mudança de que tod@s precisamos é uma mudança de mentalidades que só o tempo e a acção diária de cada uma de nós, nos nossos locais de trabalho, nas nossas famílias ou nos nossos grupos de amigos poderão conseguir. Precisamos, acima de tudo, de provar a este mundo, ainda tão inóspito, que ser-se "gay" ou "lésbica" não significa ser-se "bicha" ou "fufa", "panão" ou "camionista" (estas duas então são do pior!); significa simplesmente que o complemento que procede palavras como "desejo-te" ou "amo-te" tem um género diferente daquele que foi estipulado como normal pela sociedade (ei-la de novo!) e que isso não diminui um milímetro a nossa dignidade, probidade e rectidão enquanto seres humanos! Precisamos, acima de tudo, de provar e demonstrar que nenhuma relação existe entre o género da pessoa que amamos e o grau de respeitabilidade a que temos direito.
Consegui-lo-emos envergando num dia de fins de Junho uma bandeira colorida? Ou organizando "festas temáticas" onde os curiosos são mais do que os visados? Contribuirão tais desfiles ou organizações para a promoção da nossa imagem junto da opinião pública?
Se sim, expliquem-me em quê, que eu não consigo ver como.

2. Faço-o também porque desde sempre recusei que as minorias, fossem elas quais fossem, se vissem irradicadas para guetos mais ou menos sofisticados, mais ou menos disfarçados... mas sempre segregacionistas, como nenhum gueto poderia deixar de ser!
Confesso-vos: sempre que vejo um cartaz a promover uma festa gay, como a "Pride" que a Mente Assumida descreveu num post anterior, nasce em mim uma dupla sensação de desconforto: primeiro porque esta bandeira às cores içada nas portas ou convites dos bares me traz reminiscências da judaica Estrela de David, como se sempre que um grupo de lgbt's se encontra seja necessário prevenir os mais incautos de que "eles andem aí!"; segundo, porque ao ouvir anunciar tais festas não consigo evitar aquela sensação de que faltou apenas dizer que havia ali mão de Victor Hugo Cardinalli, uma vez que é inegável o facto de que, em qualquer festa gay, a maior parte do público são heteros curiosos por ver "essas espécies raras" (mas não em vias de extinção!) que são os homossexuais!
Mais uma vez pergunto-me... pergunto-vos: num momento delicado da nossa história, em que já é impossível negar a nossa existência, até que ponto será benéfico expormo-nos desta maneira? Até que ponto desejamos fazer passar a imagem de que somos apenas um grupo de foliões que gosta de excentricidades, de se mostrar e de chocar mentalidades?... Acreditem que quem o diz não sou eu (obviamente!)... nem sequer é uma minoria.

3. Haveria mais três, quatro, cinco... imensas razões que poderia aqui invocar para me pronunciar contra as "Prides" nos moldes em que têm sido feitas. No entanto, como este post já vai longo, tais devaneios ficarão para uma próxima oportunidade.

Não posso, todavia, deixar de fazer aqui algumas ressalvas!
O que aqui vai dito não é, de forma alguma uma manifestação anti-cultura lgbt. Pelo contrário, defendo que a promovam, muito e de várias formas! Autores escrevam livros! Guionistas, escrevam novelas! Músicos, cantem a nossa forma de amar! A nossa cultura é um trunfo que temos que acarinhar com todo o empenho... Quanto mais não seja para demonstrar o quão diversa ela é, reflexo, sem dúvida, da igual diversidade e variedade de pessoas que constituem a nossa comunidade!
Não estou também aqui a colocar em causa o trabalho, cujo mérito não só reconheço como agradeço, das Associações Homossexuais nacionais e internacionais, que só pecam pela pouca visibilidade mediática (de que obviamente não são responsáveis) dos seus eventos e iniciativas...

O que apenas hoje aqui me apeteceu dizer foi que se queremos, algum dia, poder gritar na rua, ou nos bares, ou em qualquer outro sítio, que nos sentimos orgulhosos de alguma coisa, que o façamos pela alegria de termos conseguido provar que, apesar de toda a discriminação que há séculos vimos sofrendo, finalmente conseguimos demonstrar que não queremos chocar nem provocar ninguém, apenas queremos poder viver a nossa vida com a dignidade e o respeito a que a nossa condição de seres humanos nos dá direito... Aí sim, orgulhosa e assumidamente!


segunda-feira, 1 de setembro de 2003

Ouvido de passagem... 


Na Pride do Norte, tive oportunidade de ouvir o seguinte diálogo entre duas adolescentes, a quem não dou mais do que 15/16 anos:

Loura: Já viste como aquele é bom?
Morena: Qual?
Loura: Aquele!

(aponta para a Alexia, uma drag queen em pleno show)

Morena: Ah, aquele... realmente, é muito giro, é...
Loura: Giro nada... é bom!
Morena: Pois é... Sabes, eu gostava era de fazer amor com ele, mas era assim, tal e qual, vestido de mulher...
Loura: Hmmm... Só de pensar, já tou excitada!

(risinhos tímidos...)


Ele há com cada uma...!

Pride do Norte: Eu estive lá! 


Como informei no meu antepenúltimo post, a Pride do Norte decorreu no dia 29 de Agosto, sexta-feira, na discoteca Pacha Ofir, em Esposende. Deixarei aqui as minhas impressões pessoais sobre esta festa.
Cheguei à  Pacha quando pouco passava da uma da manhã, porque (comodista me confesso) prefiro deixar o carro perto, apesar de problemas de estacionamento não se colocarem aos clientes deste espaço, uma vez que está situado no interior de um enorme terreno privado, oferecendo estacionamento gratuito a todos os clientes. A casa, com capacidade máxima para 1500 pessoas, encontrava-se ainda longe (sequer) do meio gás. A primeira ronda pelas diversas áreas deixou-me a impressão de que "a noite ainda era uma criança". Todas as áreas tinham já clientes, mas em todas o número era também diminuto. Mas com o avançar das horas, tudo se compunha e por volta das 2h/2h30, o ambiente estava criado.
Como havia dito também, a festa foi organizada apenas pelo Hit Club em colaboração com outras entidades, mas, apesar disso, a festa estava anunciada para todas as áreas da discoteca. A verdade, no entanto, é que, enquanto festa gay, estava um pouco descaracterizada. Estive à  conversa largo tempo na área da música latina e brasileira e os casais gay que por ali andavam contavam-se pelos dedos de uma mão. Animação temática, essa, nem vê-la.
A coisa animou um pouco com a chegada de alguns colunáveis, como Pedro Leitão, entre outros, num grupo que incluía ainda os estilistas Luí­s Barbeiro e Paulo Azenha e os manequins Valentino e Sónia Antão ("Antão" rima com "encontrão", terá sido por isso que ela me deu tantos ao longo da noite?), quatro nomes presentes na festa da revista Flash, produzida por Carlos Castro (também presente, mas noutro grupo) que decorreria na noite seguinte. Colunáveis trazem sempre fotógrafos atracados a si e, consequentemente, bandos de fãs que rodeiam as personalidades, o que acabou por transformar a área mais em palco do que em pista, mas enfim...!
Cansada de tal espectáculo, dirigi-me à  área do Hit Club, "coração da Pride", na esperança de que ao menos ali este epíteto não fosse despropositado. A mudança foi notória, uma vez que o espaço abarrotava de gente e os casais gays eram mais visí­veis. Quanto a lésbicas, eram em menor número e consideravelmente mais discretas. Ainda assim, as manifestações públicas de carinho, quando não contidas, eram inexistentes.
Sobre o balcão de um dos bares, dançavam duas drag queens (uma delas encarnada pelo Toty, que ficou conhecido do grande público pela sua participação no programa Masterplan, na SIC), mas a pista estava repleta de heterossexuais. A decoração não foi especialmente preparada para o tema e, por isso, não fazia notar que aquela era uma festa gay. Pouco depois, a drag queen Rafaela de Castro iniciou o seu espectáculo. Depois foi a vez da (maravilhosa) Alexia. O público parecia conquistado, especialmente quando em simultâneo se puderam ver três shows: Alexia, body painting (pelo pincél de Paulo Azenha) e strip tease masculino. Ao rubro pareciam estar as meninas (straight) na pista, o que numa Pride não deixa de ser curioso... Aqui e ali era possível identificar um ou outro gay menos inibido, um ou outro casal, mas a dominante eram, indubitavelmente, os heterossexuais. Em comparação com as anteriores Prides do Norte, sempre organizadas pelo Hit Club mas, na altura, no seu espaço próprio, na Póvoa de Varzim, esta Pride deixou muito a desejar, uma vez que as presenças dominantes foram straight e não gay, o que deixou estes últimos pouco à  vontade para, digamos, "soltar a franga".
Findos os espectáculos, cerca de uma dezena de drag queens continuaram a animar a noite no Hit Club, dançando e esbanjando glamour. Ainda assim, viu-se de tudo um pouco, desde encarnações irrepreensíveis das personagens (como no caso da Alexia) até aberrações completas, como a uma "pseudo" drag queen, cujos atilhos do corpete se desataram, deixando o peito másculo à vista de todos, sem que isso tivesse preocupado minimamente a dita! E a noite lá se passou, mas muito longe das espectativas deixadas pelas anteriores edições desta festa.
Em suma, avalio com nota negativa neste evento:
- a presença esmagadora de heterossexuais, quando o que se espera de uma festa gay é exactamente o contrário;
- o facto de essa mesma presença ter sido factor de inibição para os gays e lésbicas (que, se eram em número reduzido, ainda mais despercebidos passaram);
- a decoração pobre que não acompanhou a temática;
- o desmazelo de algumas drag queens presentes;
- a postura de alguns heterossexuais, que além de provocarem as drag queens com comentários infelizes, não estiveram à altura de serem público de uma festa destas.
Nota positiva vai para a drag queen Alexia, encarnação perfeita do glamour exigido para a personagem, cujo out fit revelou bom gosto, com maquilhagem impecável e espectáculo q.b. (com direito a fireworks e tudo);
- para os casais de gays que arriscaram algumas manifestações de carinho, sinal de que não deixaram de (tentar) controlar uma festa que é deles e para eles;
- para a música de Rui Covas e, ainda para a diversidade de eventos, que incluíram, como disse, body painting e strip tease masculino (louvor seja dado a Paulo Covas, pela simpatia e pelo arrojo). Pena é que o público faça a noite, e este deixou muito a desejar...
Uma palavra final vai ainda para a Abraço, que não passou de uma presença (muití­ssimo) discreta, com uma banca onde eram possível adquirir o famoso lacinho vermelho (sí­mbolo da associação), relógios, porta-chaves, entre outras coisas e panfletos e desdobráveis sobre a SIDA (reparei que quando passei por lá à  saída, o aspecto da bancada era praticamente o mesmo que vi à  entrada, o que denota que poucos foram aqueles que se dignaram ler verdadeira informação). Os (escassos) cartazes colados pelos corredores da Pacha Ofir certamente tiveram o mesmo tratamento...
Concluindo, esta Pride do Norte não foi, em minha opinião, nem memorável nem animadíssima, como previ no meu penúltimo post. Que a do próximo ano venha depressa e apague estas (más) recordações...

Assumidamente anti-Algarve! 


Mil e duzentos quilómetros, sete dias e muitos pensamentos volvidos eis-me de regresso a casa, a este blog (muito bem cuidado pela Mente Assumida) e à rotina das horas que um dia (breve, espero eu) deixarão de ser as minhas.
Regresso com a sensação de que não valeu a pena ter partido. Tenho por lema tentar transformar cada dia que vivo num dia especial; gosto de me deitar e sentir que estou mais rica do que quando acordei: porque li um poema marcante, porque conheci uma pessoa interessante, porque mergulhei numa paisagem bonita... por causa de um quadro, de uma música, de uma frase, de um sorriso...
Mas o Algarve não enriquece ninguém! Lamento, perdoem-me os 80% da população portuguesa (obviamente o número não é oficial!) que não dispensa o seu saltinho ao sul do país, no mês de Agosto, quando o calor aperta e se faz um intervalo no trabalho, perdoem-me também os governantes de Portugal e os munícipes da região, que andam a tentar promover o turismo nacional, mas efectivamente o Algarve não enriquece ninguém!

Talvez por fazer parte de uma minoria oprimida (sei que soa mal, mas não deixa de ser verdade!), talvez por, desde sempre, ter aversão a tudo o que são seguidismos irracionais e acríticos, nunca compreendi e, muito menos, consigo apreciar os fenómenos de massas, sejam eles quais forem.
Não compreendo, por exemplo, o futebol, não compreendo como é possível que milhões de pessoas em todo o mundo deixem que a alegria dos seus dias ou o ritmo do bater do seu coração sejam condicionados, pela prestação de jogadores ofensivamente multimilionários que, durante noventa minutos seguidos, tentam desesperadamente fazer passar a bola por um guarda-redes, sem quase nunca serem bem sucedidos. Não compreendo.
Não compreendo o Elvis ou os Beatlles, não compreendo o Beckham, não compreendo o Figo, não compreendo as massas... e não compreendo estas romarias anuais ao Algarve!
Sei que as explicações para estes fenómenos podem abundar: as pessoas gostam de se sentir parte da sociedade, têm necessidade de se integrar numa comunidade e tudo isto não passa de um modo de manifestação de uma identidade cultural sem a qual nenhum ser humano poderá viver. Dirão talvez os sociólogos que o ser humano tem inerente a si uma necessidade de comunidade que se alimenta destes momentos. Que seja! Respeito. Tolero... Mas não me peçam para dizer que gosto.

Expliquem-me, a mim, que tento sempre ver o lado positivo das coisas, que prazer se pode tirar de uma viagem de sete horas, 30ºC e filas intermináveis numa paisagem aridamente constante! Expliquem-me onde está a calma de uma praia repleta de pessoas a gritar aos filhos: "Jean Michel vien ici à mama! Rápido senão parto-te todo!", a atirar-nos areia para cima, debaixo de um sol que nos tosta a pele ao ponto de alguns apanharem mesmo queimaduras de segundo grau (e não julguem que estou a exagerar!).
Expliquem-me como podemos relaxar a mergulhar naquelas águas impregnadas por um misto de cheiro a gasóleo e esgoto mal escondido? Como é possível divagarmos em pensamentos idílicos sobre as maravilhas da água salgada a penetrar-nos os poros enquanto ao nosso lado bóia um pau de gelado, um pacote de leite, um saco de plástico... para não falar do típico penso higiénico, que obviamente está sempre presente!
Expliquem-me, ainda, se as explicações vos sobejam como é que se aprecia uma boa refeição quando, para jantarmos, esperamos no mínimo meia hora, para que a fila do restaurante vá sendo vencida!
Expliquem-me, por fim, como é que é possível divertirmo-nos nas discotecas à pinha de Albufeira, Vilamoura ou Portimão, onde o suor entediante dos jet-sets portugueses (os de verdade e os que, durante este mês acreditam sê-lo!) impesta os espaços e afasta totalmente qualquer possibilidade de naturalidade!

Não se cansem a explicar-me! Nunca perceberei este fenómeno estival que se verifica no nosso país. Não tentem convencer-me que as praias são melhores do que as do resto do país - haverá acaso tamanha diferença entre a Praia da Rocha e a da Figueira da Foz (só para citar um exemplo!)? Não me venham dizer que a água é mais quente, porque não vejo qual a vantagem de nadar numa água aquecida pelo gasóleo e pela poluição em geral! Não me venham dizer que a noite é mais animada, porque é impossível confundir animação com lotação esgotada e apertos por todo o lado... de todo o género!
Sim, porque para completar o ramalhete das desvantagens, não pode ser esquecido o facto de, a todo o tempo, corrermos o risco de levarmos com os olhares libidinosos daqueles homens que não conseguem conter a baba que lhes escorre ao vislumbrarem um qualquer rabo de saia e que não são suficientemente inteligentes para compreender em dois minutos que estão a levar uma tampa...

Enfim, assumidamente detesto o Algarve! Poderão muito legitimamente perguntar-me: "se não gostas então porque foste?"
Fi-lo por um conjunto de circunstâncias genético-financeiras que me obrigam (ainda) a decidir por esta não assumpção de quem realmente sou, daquilo que realmente gosto... Mas, no fim destes dias, não posso deixar de partilhar convosco esta tristeza que trago na bagagem que é a constatação do quanto o nosso Portugal é pequenino; do quanto as pessoas "normais" cumprem os rituais usuais mesmo que para isso tenham que passar tormentas, só porque é tradição... Só porque é mesmo assim!...
E perante tais constatações, dei comigo a pensar, várias vezes, ali em frente ao mar, enquanto as ondas me devolviam o eco do nome que me enche o coração, o quão enraizado está este conservadorismo nacional: os portugueses fazem as coisas porque é costume, é natural, é normal, foi sempre assim desde o tempo dos seus bisavós, por isso não poderá ser de outra maneira... tudo o que fugir do guião secularmente alinhado está errado e é alvo da mais profunda reprovação!... Como será difícil enfrentar esta repulsa pela mudança, quantas lutas haverá ainda que travar, quantos dias ainda de vida dupla por viver...
Então, estendia-me na areia, fechava os olhos e deixava-me vaguear pela letargia dos sonhos, sonhos que se traduziam em:

"(...) ver as formas invisíveis
Da distância imprecisa, e, com sensíveis
Movimentos da esp'rança e da vontade,
Buscar na linha fria do horizonte

A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte --
Os beijos merecidos da Verdade.
"
in Fernando Pessoa, Mensagem - Horizonte

E assim sobrevivi ao calor e à distância!

É bom estar de volta.


Somos altos, baixos, magros, gordinhos, extrovertidos, introvertidos, religiosos, ateus, conservadores, liberais, ricos, pobres, famosos, comuns, brancos, negros... Só uma diferença : amamos pessoas do mesmo sexo. Campanha Digital contra o Preconceito a Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgéneros. O Respeito ao Próximo em Primeiro Lugar. Copyright: v.


      
Marriage is love.


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